Autonomia Patrimonial e a Desconsideração da Personalidade Jurídica

A autonomia patrimonial é um dos pilares do Direito Empresarial e Civil. Trata-se do princípio segundo o qual a pessoa jurídica possui personalidade jurídica própria, distinta da de seus sócios ou instituidores. Isso significa que os bens, direitos e obrigações da sociedade não se confundem com os de seus membros.

Na prática, isso garante que o patrimônio da empresa responda por suas dívidas, sem que — como regra — os bens dos sócios sejam atingidos. Por exemplo, se uma sociedade possui um veículo ou uma dívida, esses bens ou obrigações pertencem e vinculam-se exclusivamente à pessoa jurídica, e não aos seus sócios.

Contudo, o ordenamento jurídico prevê exceções. Em determinadas situações, quando há abuso da personalidade jurídica — seja por desvio de finalidade, seja por confusão patrimonial — é possível afastar essa separação e atingir o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores. Essa medida excepcional é chamada de desconsideração da personalidade jurídica.

  • O que é a desconsideração da personalidade jurídica?

A desconsideração é um instrumento jurídico que permite responsabilizar diretamente os sócios por dívidas da pessoa jurídica quando houver indícios de má-fé, fraude ou abuso da personalidade. O fundamento legal da medida está previsto no art. 50 do Código Civil e em outras normas específicas, como o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 34 da Lei nº 12.529/2011 (Lei Antitruste).

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o tema passou a contar com um procedimento específico, conferindo maior segurança jurídica às partes envolvidas.

O CPC/2015 prevê que a desconsideração pode ser requerida de duas maneiras, na petição inicial:

(i) Desconsideração direta: a ação é movida contra a pessoa jurídica e, ao mesmo tempo, contra os sócios, com o objetivo de alcançar o patrimônio pessoal destes. Nesse caso, os sócios são citados como corréus.

(ii) Desconsideração inversa: a ação é movida contra o sócio, mas o autor já requer que os bens da pessoa jurídica sejam atingidos, por entender que há confusão patrimonial ou utilização indevida da empresa como “blindagem”.

Em ambas as hipóteses, os réus são citados desde o início do processo e não há necessidade de instaurar um incidente específico. A desconsideração será analisada na própria sentença.

Quando o processo já está em curso, e a parte percebe que a pessoa jurídica não tem bens suficientes para honrar suas obrigações, pode ser requerido o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de um procedimento autônomo dentro do processo, destinado a incluir novos responsáveis (sócios ou a própria empresa, no caso de desconsideração inversa).

Esse incidente pode ser requerido por qualquer das partes ou pelo Ministério Público (quando tiver intervenção obrigatória). O juiz analisará se estão presentes os requisitos legais da desconsideração e, se o pedido for admitido, o processo principal será **suspenso** até que o incidente seja resolvido.

A parte a ser incluída (sócio ou empresa) será citada para apresentar manifestação e, se necessário, haverá fase probatória. Ao final, o juiz proferirá decisão interlocutória, contra a qual caberá agravo de instrumento.

Importante destacar que o incidente de desconsideração é cabível em qualquer fase do processo, inclusive no cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial, e pode ser instaurado inclusive nos Juizados Especiais.

  • Conclusão:

O CPC/2015 trouxe importantes inovações ao disciplinar a desconsideração da personalidade jurídica, garantindo maior clareza procedimental e segurança jurídica às partes envolvidas. A correta aplicação desse instrumento exige não apenas o conhecimento do direito material, mas também domínio das regras processuais que o regem.

Para empresas e empresários, é fundamental compreender os limites da autonomia patrimonial e as circunstâncias em que ela pode ser afastada. Já para os credores, trata-se de uma ferramenta estratégica relevante para assegurar o adimplemento de obrigações frustradas pela utilização indevida da estrutura societária.

Nosso escritório está à disposição para auxiliar empresas e particulares na prevenção de riscos jurídicos e na condução de estratégias processuais eficazes que envolvam a desconsideração da personalidade jurídica.